quarta-feira, 14 de outubro de 2009




Outro dia, eu estava correndo para o trabalho, ouvindo música. Ouvia um cd da "Ana Carolina", tinha pegado emprestado com uma amiga. Para mim, ouvir um novo cd inteiro, não é uma tarefa muito fácil, normalmente, eu vou direto nas músicas que eu já conheço e nem sempre tenho paciência de ouvir todas, afinal estou sempre correndo, então só dá tempo de ouvir "aquela", "a escolhida".
Durante uma época da minha vida tive um carro, ai ele era lindo! tinha cheirinho de tutti-frutti, costumava dizer que ele era a extensão do meu corpo, da minha mente, do meu guarda roupa... E passei momentos felizes dentro dele, pessoas maravilhosas deram várias voltinhas com a gente. E com o "Neguinho"( era o nome dele) eu conseguia ouvir as músicas inteiras e muitas vezes até cds inteiros, como minha cidade não é tão pequena assim e tem até congestionamento, pude aumentar meu leque musical. E foi justamente num desses congestionamentos q me peguei prestando atenção na voz belíssima de Ana Carolina, fiquei encantada com sua intonação, poderia até gravar um cd só contando histórias, declamando poemas, eu seria a primeira a comprar, ou a baixar.
Eu tive um privilégio único, Ana Carolina o contou pra mim, mas gostaria q lessem este texto. Não sei vocês, mas consegui me transmitir para todos os ambientes narrados, o elevador, a praia, senti até o cheiro do cachorro dentro do elevador...
E o tanto que é engraçado??? Para aquelas mulheres que são solteiras por opção e ainda tem um cachorro, vão ler e adotá-lo como parte de sua vida.... Vale a pena:


Mon Animal
Elisa Lucinda

"Eu a vejo quase todas as manhãs. Não é exatamente bonita. Aliás ela é de uma feiúra estranha como se carregasse uma boniteza espalhada em si, nos gestos e não nos traços exatamente. Não importa.
Importa é que a vejo acompanhada perenemente pelo seu cão. Um pastor alemão com cara de bom companheiro. E o é. Eu vejo. Olha-a muito, encaixa seu focinho entre os joelhos dela, brinca com ela, gane querendo dengo. Ela também, essa minha vizinha de uns quarenta e vividos anos, brinca de não-solidão com esse cachorro específico; gosta dele, ri: - Não Duque, assim não, deixa o moço, Duque, me espere. Não vá na minha frente assim, cuidado com o carro, menino.

Ele a olha como quem agradece. E vão os dois, não em vão, pelas ruas de Copacabana sob o sol, felizes que só vendo. Eu vejo.Ela é camelô; nos encontramos no elevador e eu: - Vocês se divertem tanto, é tão bonito.
- É, nos conhecemos na rua. Ele olhou pra mim bem nos meus olhos. Eu estava trabalhando. Vi logo que era um cão bem cuidado fisicamente mas faltava-lhe carinho. Deixei minhas bugigangas (ela vende coisas que querem imitar jóias antigas) por não sei quanto tempo e fiquei agachada na calçada na Avenida Nossa Senhora, só namorando ele. Decidimos que ele viveria comigo. Naturalmente. Tudo aconteceu “naturalmente”, ela frisou, como se quisesse dissipar de mim qualquer sombra de suspeita de um possível roubo.Noutro dia no mesmo elevador, ela com seu carrinho de balangandãs, eu e Duque. O elevador apertado e ela continuou femininamente a conversa do último elevador nosso: - Tenho certeza que ele é de câncer. É muito sensível. Só falta falar. Né Duque? ... ele não é lindo?
Eu disse: Lindíssimo. E você que signo é? - Ah, sou capricórnio mas com ascendente em câncer, combina sim. Eu vejo Duque lambendo as mãos dela, as magras mãos cujos dedos ela oferecia de propósito e distraidamente a imordida dele. Eu olho admirando receosa por conta dos afiados dentes dele. Quase não entendo de cães.
Você tem medo... ô não ofenda ele; Duque entende pensamentos e não gostou do que você pensou. Jamais me morderia, jamais me trairia. Né Duque?
Senti o pensamento de Duque latindo que jamais a trairia. Achei bonito. Chegamos. Tchau, bom trabalho. Tchau Duque.
Fui para a rua pensando longamente nos dois. Depois pensei nos mistérios da astrologia e perdi o fio do meu pensamento.
Ao final da tarde avistei pela janela Duque e Angela indo ver o crepúsculo na praia. Depois vi os dois voltando sorridentes e caninos, sob a noite estrelada; ela com fitas de vídeo penduradas ao braço; sempre conversando com ele.Tenho inveja de Angela. This is the true. O animal que eu quero não mora comigo, não almoça mais comigo, não brinca mais, não me telefona, não me advinha os pensamentos, não me acompanha ao crepúsculo, não gane querendo dengo, nossos signos parecem não mais combinar. O animal que quero, pensa demais e por isso não passeia mais comigo.
E o pior: Não me lambe mais."

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